sábado, 1 de dezembro de 2007

Introdução

A obesidade é provavelmente o mais antigo distúrbio metabólico, havendo relatos da ocorrência desta desordem em múmias egípcias e em esculturas gregas (Blumenkrantz, 1997). Durante séculos, gordura foi sinónimo de formosura e não fazia qualquer sentido adjectivar como feio um indivíduo de coxas redondas e barriga proeminente. No entanto, em pouco tempo, tudo se alterou e o dogma de que “magreza é beleza” passou a ser a premissa dominante nas sociedades actuais. Nessa transição de mentalidade, os obesos deixaram de ser formosos e passaram a ser encarados como disformes, entrando em crises de tristeza, depressão e exclusão social, o que os levou a ficar ainda mais gordos (Rosa, 2007 cit Novaes, 2007).
Esta doença, classificada como perturbação física, é bastante influenciada, na sua etiologia e evolução, por questões psicológicas, daí que a abordagem desta temática se enquadre, com todo o sentido, nesta tarefa académica.
Assim, tentámos explorar as dimensões que consideramos mais importantes para uma compreensão mais profunda e consciente da doença, começando por recolher algumas definições possíveis de obesidade, tendo em consideração autores que contribuíram para o seu aprofundamento e desenvolvimento. De seguida, procedemos ao enquadramento teórico das várias perspectivas teóricas sobre a obesidade e à sua epidemiologia.
Após esta abordagem inicial, salientamos o carácter multideterminado e as implicações futuras associados à doença, atribuindo especial relevância ao período da adolescência, visto ser uma fase em que ocorrem importantes mudanças a nível físico, social e psicológico que tornam o adolescente mais vulnerável à obesidade e por ser também um factor preditor da presença do excesso de peso no estado adulto.
Depois desta primeira conceptualização, passamos à análise das várias formas de tratamento, apontando o modelo cognitivo-comportamental como o mais eficaz, pelas estratégias de intervenção que preconiza com reconhecido sucesso, e tentando compreender e sublinhar o papel do psicólogo em todo este processo.
Em última análise consideramos relevante abordar a obesidade mórbida, por ser uma realidade cada vez mais frequente, de tal forma que levou a uma recente actualização dos valores do Índice de Massa Corporal (IMC).
Em suma, a elevada prevalência, as doenças associadas, a dificuldade de tratamento, os custos elevados e, por vezes, a falta de informação fazem com que seja um tema quente que mereça uma explicação correcta e um tratamento clínico abrangente e adequado.

Definição

Definir obesidade não é uma tarefa simples e clara, pois, apesar de classificarmos um sujeito obeso com relativa prontidão, a compreensão desta temática vai muito para além deste facilitismo ao qual, muitas vezes, nos rendemos.
Para podermos explicitar este conceito, temos de recorrer aos diversos contributos dados ao longo do tempo por alguns autores. Podemos encará-la como uma doença crónica, resultante do armazenamento excessivo de gordura, com muitos anos de evolução. Ora, esta definição contém uma ideia muito importante, que se prende com a questão da obesidade implicar um aumento da parte gorda, à qual também chamamos de componente gorda do organismo, que curiosamente tem uma densidade menor que a massa magra (tecido muscular e ósseo). Embora na maior parte dos casos os pacientes obesos apresentem um peso corporal superior ao normal, não é necessariamente assim em todas as pessoas. Por outras palavras, alguns indivíduos possuem excesso de peso devido a um aumento no conteúdo da massa magra, sendo que esta característica nunca se deve classificar como obesidade. Circunstâncias destas são frequentes em desportistas de elite, que atingem um grande desenvolvimento muscular e, por isso, aumentam o peso, sem que esse aspecto induza a um aumento do tecido gordo ou adiposo, que é o factor determinante da obesidade.
A obesidade é uma doença multifactorial na sua origem, com predisposição genética, que ameaça a vida humana e com diversas consequências médicas, psicológicas, sociais, físicas e económicas (SPCO, 2002).
Segundo a Sociedade Portuguesa de Cirurgia da Obesidade (SPCO), a prevalência da obesidade no nosso país é estimada em 13% para o género masculino e 15% para o género feminino.
A obesidade simples é incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) como uma condição médica geral, mas não aparece no DSM-IV uma vez que não foi estabelecida uma associação consistente com um síndrome psicológico ou comportamental. Entretanto, quando existem evidências da participação de factores psicológicos na etiologia ou curso de determinado caso de obesidade, isto pode ser indicado referindo-se a presença de Factores Psicológicos que Afectam a Condição Médica.

Enquadramento de várias perspectivas da obesidade

Carmo e tal. (1989) abordam a subjectividade do conceito referindo que este teve a sua origem na sociedade euro-americana no século passado e depressa se disseminou, por influência dos mass-media e das tendências da moda.
De acordo com Ballone (2002, cit em Sousa, P., 2006), não existe um parâmetro preciso que estabeleça a separação dos indivíduos obesos dos não obesos. O mesmo autor estabelece a distinção entre as duas dimensões da obesidade: uma antropométrica/fisiopatológica e outra emocional/psicodinâmica. A primeira define como obeso aquele que tem uma percentagem de gordura corporal acima de determinado critério (nas mulheres a percentagem seria superior a 30% e nos homens a 25%). A dimensão psicodinâmica define como obeso aquele indivíduo que sente uma grande insatisfação com o seu corpo, por ter um peso superior ao ideal antropométrico.
Contudo, existem várias posições divergentes. A OMS refere que a obesidade pode ser definida de uma forma simples como uma condição de acumulação anormal ou excessiva de gordura no organismo, o que acarreta um comprometimento da saúde.
De facto, esta disparidade de definições leva-nos a recorrer à investigação, como forma de chegar a uma unificação de critérios diagnósticos. Neste contexto, faz sentido referir, por exemplo, Frisberg, que aponta a definição de obesidade como um excesso de peso que resulta de células adiposas do corpo. É “(…) uma acumulação de gordura para além da fisiológica, isto é, além da necessária ao equilíbrio funcional e morfológico de um corpo saudável.” (Peres, 1996, in Cerqueira).
Há ainda alguns autores, como George Bray, que fazem a distinção entre obesidade e excesso de peso. Enquanto o excesso de peso consistiria num aumento do peso corporal acima de um padrão estabelecido (relativamente à altura), obesidade significaria a existência de uma percentagem elevada de gordura corporal, podendo estar generalizada ou localizada numa determinada zona do corpo.

Epidemiologia da obesidade

A epidemiologia da obesidade estuda a frequência e distribuição desta doença nas diversas populações, bem como os possíveis factores que determinam o seu aparecimento ou desenvolvimento.
A obesidade é uma realidade que atinge todos os estratos etários da população, daí a ser considerada um dos maiores problemas de Saúde Pública. Naturalmente que existem, também relativamente a este aspecto, algumas opiniões diferentes. Alguns autores, por exemplo, defendem que a obesidade é particularmente mais grave em crianças e adolescentes porque apresentam o risco de se tornarem também adultos obesos. É assim considerado um dos transtornos nutricionais mais frequentes nas crianças e adolescentes e a sua prevalência, nestes escalões etários, tem vindo a aumentar gradualmente nos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Mas relativamente a este ponto, teremos oportunidade de, mais à frente, desenvolvê-lo e perceber melhor o impacto e as repercussões que a obesidade tem na adolescência.
O interesse em reconhecer dados epidemiológicos está em estabelecer graus de risco, que permitam programar linhas de actuação específicas para um determinado grupo. Neste sentido, é conhecido que existe uma correlação clara entre a gravidade da obesidade e a frequência de desenvolvimento de complicações, que é máxima quando o índice de massa corporal ultrapassa valores de 40kg/m2.
De acordo com dados recolhidos na obra de Ogden, J. (2001), as taxas de obesidade estão a aumentar no Reino Unido. Se ela for definida como um IMC maior do que 30, os dados mostram que, em 1980, 6% dos homens e 8% das mulheres eram obesos, o que aumentou para 13% e 16% em 1994; prediz-se que em 2005 estes números terão aumentado para 18% e 24%, respectivamente (Department of Health, 1995). Estimativas dos EUA sugerem que 24% dos homens e 27% das mulheres são, no mínimo, ligeiramente obesos (Kuczmarski, 1992) e que as mulheres se têm tornado especialmente pesadas nos últimos anos (Flegal et al., 1988). No mundo, as taxas de obesidade mais altas são encontradas na Tunísia, EUA, Arábia Saudita e Canadá, e as mais baixas na China, Mali, Japão, Suécia e Brasil; o Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia estão colocados numa posição intermédia. Na Europa, as taxas mais altas são na Lituânia, Malta, Rússia e Sérvia, e as mais baixas na Suécia, Irlanda, Dinamarca e Reino Unido. No seu conjunto, os povos da Europa do Norte e Oeste são mais magros dos que os do Leste e Sul e as mulheres têm mais probabilidade de obesidade do que os homens.

Números e taxas associados (recolhidos do INE e IOTF)

  • (mais de) 1 milhão de portugueses é (mais de) 150 milhões de europeus são considerados obesos;

  • 100 milhões de obesos foram contabilizados nos EUA e Canadá;

  • 235 milhões de euros é o custo anual da obesidade em Portugal;

  • Os EUA utilizam 117 milhões de dólares com a obesidade e suas complicações;

  • 30% das crianças portuguesas, entre os 7 e os 9 anos, têm excesso de peso;

  • (mais de) 1 bilião de pessoas no mundo têm excesso de peso;

  • Estima-se que em 2025 metade da nossa população seja obesa;

  • 1/3 das mortes por cancro da mama estão, segundo relatórios médicos, relacionadas com o excesso de gordura;

  • 2/3 ficam por conta das cardiopatias inerentes à obesidade;

  • 150 mil obesos precisam de colocar banda gástrica;

  • 2 em cada 10 portugueses tem excesso de peso;

  • Quando os pais são obesos, há 80% dos filhos também o virem a ser;

Diagnóstico e classificação

Através de uma vasta gama de técnicas podemos avaliar/diagnosticar e classificar a composição corporal humana.
Maham & Escott-Stump (1998) referem que o obeso é definido como estando 20% acima do peso desejável e o severamente obeso como aquele que se encontra 40% acima do peso desejável. Por sua vez, Santiago e tal. (1998) referem que o excesso de peso se situa num percentil acima de 90 e obesidade num percentil acima de 97.
Relativamente ao diagnóstico e classificação encontramos várias perspectivas que diferem conforme o critério que se adopte como referência. Neste sentido, relativamente aos métodos, podemos falar da tabela de percentis, do Índice de Massa Corporal, do Índice Cintura/anca, de medidas antropométricas: medição das pregas cutâneas e outros métodos como a ecografia, a tomografia computorizada, a ressonância magnética, os infravermelhos.
A tabela de percentis é vantajosa no sentido em que os gráficos podem ser utilizados em adolescentes que já atingiram a puberdade; o IMC para crianças e adolescentes é comparável com as medições laboratoriais da gordura corporal; crianças e adolescentes com um IMC acima do percentil 95 têm uma maior probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares e excesso de peso na idade adulta. Por exemplo, em relação a este método, há autores que referem que “até aos 18 anos, a forma mais correcta de ver qual o peso desejável é através das tabelas de percentis” (Sousa, 2006 cit. Carmo, 1999).
O Índice de Massa Corporal, calculado através da fórmula IMC= peso (kg) / altura2 (m), é de fácil aplicação mesmo em larga escala, sensível, específico para a identificação dos indivíduos com excesso de gordura corporal e não depende da experiência individual na recolha de dados. O IMC, padrão usado para os adultos, também mostrou uma boa correlação com a quantidade de gordura corporal das crianças. Estabeleceu-se, através de resultados de alguns estudos, que crianças acima do percentil 95 são definidas com sobrepeso ou obesidade e as que se situam entre os percentis 85-95 são consideradas em risco para sobrepeso. O valor de IMC obtido deverá ser encontrado numa tabela, em que valores inferiores a 18 equivalem a magreza excessiva; entre 18 e 24,9 a peso normal; entre 25 e 29,9 excesso de peso; entre 30 a 34,9 obesidade de grau I; entre 35 a 39,9 a obesidade de grau II e acima de 40 está a chamada obesidade mórbida. Hoje já se fala em “acima de 50” para a super obesidade e em “acima de 60” para a super-super obesidade. Esta actualização da tabela de IMC só vem reforçar a ideia de que a obesidade é, de facto, a epidemia do século XXI, tal é o aumento da sua prevalência (Ogden, 2000).
Tabela 1 – Cálculo do IMC

Relativamente aos métodos de medição e classificação da obesidade, Sousa (2006) destaca-nos mais algumas especificidades. O Índice cintura/anca tem sido considerado como estimativa indirecta de gordura intra-abdominal ou visceral. A relação entre o diâmetro da cintura abdominal e a região glútea proporciona um índice de distribuição regional da gordura que permite a avaliação dos riscos para a saúde.
A aplicação de técnicas de imagem, como a tomografia axial computorizada ou a ressonância magnética abdominal, permitem quantificar a gordura visceral. No entanto, estes procedimentos – devido à sua complexidade e preço – são reservados à investigação clínica.
Quanto às classificações, podemos destacar, entre as mais utilizadas, as que dizem respeito ao número e tamanho de adipócitos, à idade de início da obesidade, à distribuição predominante da acumulação adiposa, à dimensão da obesidade, às complicações que derivam da mesma e à causa que a origina.
A classificação de acordo com o número de adipócitos compreende a obesidade hiperplásica que se caracteriza por um grande número de adipócitos e corresponde à obesidade de início na infância ou na puberdade. Já a obesidade hipertrófica conduz a um aumento no tamanho dos adipócitos, mais do que no seu número e desenvolve-se na idade adulta.
Relativamente à classificação segundo a distribuição predominante da acumulação de gordura, destacam-se a obesidade andróide e a obesidade ginecóide. Na primeira, a acumulação de gordura dá-se a nível abdominal, aumentando de forma considerável o perímetro da cintura. Já na obesidade ginecóide a acumulação predomina na região subcutânea, particularmente na zona dos quadris e das coxas, o que dá lugar a um aumento do perímetro da anca, sendo mais frequente nas mulheres.

Causas da obesidade

Em termos científicos, a obesidade acontece quando uma pessoa ingere mais calorias do que as que consome, sendo que as causas para esse desequilíbrio resultam da interacção de diversos factores e variam de pessoa para pessoa. É devido a essa complexidade que se torna tão complicado tratar esta doença e se explicam os baixos resultados obtidos. Porém, conseguimos apontar, em termos globais, alguns aspectos que contribuem para o aparecimento da obesidade, nomeadamente a nível genético, económico e sócio – cultural e psicológicos.
De modo a tentar perceber a etiologia da obesidade, foram desenvolvidos vários modelos explicativos, estando uns mais relacionados com os factores fisiológicos e outros sendo considerados comportamentais.

Teorias fisiológicas:


Factores genéticos

Regra geral, a obesidade resulta de um excesso de alimentos ingeridos e/ou de uma actividade física muito pobre, no entanto podem existir diferenças individuais a nível fisiológico e genético que tornam algumas pessoas mais gordas.
Ora, a obesidade tende a ocorrer em membros da mesma família, o que nos remete, pois, para o carácter hereditário desta doença, embora, neste aspecto se torne difícil separar as questões genéticas das de alimentação e estilo de vida. Ainda assim, a ciência comprova a influência da hereditariedade na obesidade. Há estudos capazes de demonstrar que adultos que foram adoptados quando eram crianças mostraram ter peso mais próximo de seus pais biológicos do que dos pais adoptivos. Nesse caso, a herança genética teve mais influência no desenvolvimento da obesidade do que o ambiente na família adoptiva (Francischi et al, 2000).
Há autores que actualmente nos alertam para a questão das dietas restritivas como principal factor de manutenção da obesidade, isto porque os sujeitos submetem-se repentinamente a uma alimentação deficiente que, mais tarde, é abandonada, acabando por recuperar muito depressa o excesso de peso. Um estudo com ratos encontrou efeitos metabólicos resultantes de ciclos de restrição-alimentação, pois em cada um destes períodos o peso era perdido de forma lenta e recuperado com rapidez (Matos, 1990 cit Brownell, Greenwood, Stellar e Sharger, 1986). Um dos contributos desta investigação tem a ver com a ideia de que as pessoas que frequentemente fazem dieta e logo a seguir recuperam peso podem apresentar alterações da eficiência metabólica, que inibe a perda de peso e induz a sua recuperação.
A mesma fonte aponta os estudos de Polivy e Herman (1987) que concluíram também pela existência de diferenças fisiológicas entre os indivíduos que fazem dietas dos que não as fazem, apontando que estes últimos apresentam um padrão alimentar normal, i.é., comem como resposta a sinais internos de fome e param de o fazer perante sinais de saciedade.
Estes estudos assumem uma importância determinante quando pretendemos explicar a razão pela qual muitos sujeitos obesos, que anteriormente fizeram dietas sem sucesso, têm elevada dificuldade em perder peso, mesmo com alimentações muito restritivas.
Por outro lado, há alguns anos que se tem falado na mutação do gene OB como responsável pela obesidade. Com base em pesquisas com ratos, constatou-se que esse gene tem acção directa numa proteína, descoberta em 1994, que é produzida no tecido adiposo e transportada pela circulação sanguínea para o cérebro chamada leptina ou simplesmente OB. A sua função é a de controlar a saciedade de acordo com a quantidade calórica dos alimentos ingeridos para manter o nível de gordura corporal. É como se fosse, por assim dizer, uma válvula instalada no hipotálamo regulando a vontade de comer. A leptina quando injectada em insectos mostrou ser capaz de reduzir o peso corporal e o tecido adiposo. As pessoas excessivamente gordas teriam o gene OB defeituoso a tal ponto de nunca se sentirem saciados e comerem compulsivamente (Ogden, 2004). Rodríguez, Gómez, Martínez e Pérez (2003) sublinham que as mutações do gene que regula a leptina são extraordinariamente raras em humanos, embora quando aconteçam provoquem obesidade extrema.
Ogden (2004) avança-nos com a teoria das células gordas, segundo a qual a tendência genética para ser obeso também se pode expressar através do número de células gordas que o indivíduo possui. Pessoas com um peso normal possuem geralmente cerca de 25-35 mil milhões de células gordas, que se destinam a armazenar gordura nos períodos em que há energia em excesso e mobilizá-la nos momentos em que há falta dela. Os sujeitos com obesidade ligeira têm, em regra, o mesmo número de células gordas, mas elas são maiores em peso e tamanho. Indivíduos gravemente obesos têm um número de células gordas bastante superior ao normal – cerca de 100-125 mil milhões.
Em suma, a influência genética para a obesidade tem sido bastante estudada e, hoje, já assume proporções significativas na análise desta doença, embora só uma abordagem multifactorial nos consiga dar uma perspectiva real do panorama actual. Vamos, agora tentar perceber como essas questões fisiológicas se expressam e se desenvolvem a outros níveis.

Teorias Comportamentais

Ora, os genes não sentenciam o indivíduo a ser obeso pelo resto da vida, uma vez que o meio também exerce uma forte e decisiva influência sobre o desenvolvimento da obesidade. Ao abordar estes aspectos, não podemos deixar de falar em hábitos e estilo de vida, como por exemplo a prática de exercício físico e a utilização frequente de alimentos saudáveis, que podem contrariar decisivamente uma herança genética, mas que, por norma, são excluídos no dia-a-dia dos obesos.
Rodríguez, Gómez, Martínez e Pérez (2003) referem que a incidência da obesidade aumenta com a idade até aos 50-65 anos (altura em que estabiliza) e que a mesma atinge valores superiores no sexo feminino independentemente do grupo etário. Em termos nutricionais, a maioria dos obesos denota uma alimentação excessiva e/ou rica em gorduras, enquadrada num quotidiano voltado para o sedentarismo típico das sociedades desenvolvidas, com destaque aqui para o papel da televisão. Convenhamos que é muito mais fácil, agradável e cómodo comer um pacote de batatas fritas enquanto se assiste a um programa do que propriamente uma sopa!
Seguindo esta linha de raciocínio, encontramos, no site do Mistério da Saúde, um estudo americano muito curioso sobre as facilidades do mundo moderno que nos alerta para o facto de os mais de 2kg de gordura por ano acrescidos no peso corporal, um é devido aos controles remotos, dado que apertamos o botão para tudo: televisão, DVD, aparelhagem, acendimento automático de lâmpadas, vidro eléctrico do carro, escadas rolantes e muito mais. Por outras palavras, a chamada “lei do menor esforço” é parceira da vida cómoda e sedentária a que nos entregamos diariamente. Se nos mexemos menos, acumulamos cada vez mais gordura e estamos mais propensos a todas as doenças que podem decorrer do excesso de peso.
Um estudo procurou comparar a quantidade de comida deixada nos pratos, após uma refeição, por obesos e não-obesos. O que se verificou foi que as mulheres obesas deixam menos comida no prato do que as de peso adequado. Este aspecto permite suportar a ideia de que a obesidade é, em parte, resultado de respostas aprendidas, inclusive nas crianças. Muitas delas, note-se, são educadas no sentido de comerem “tudo o que está no prato” (Matos, 1990 cit Krassner, Brownell e Stunkard, 1978).
Concluindo, a vida sedentária da actualidade, o stress, a falta de tempo para comer à mesa, o uso cada vez menos regular das leguminosas e da fruta na alimentação diária de várias famílias são dos maiores perigos a alimentação saudável.

Factores económicos

Por vezes negligenciados, os aspectos financeiros em muito influenciam o aparecimento da obesidade, dado que determinam o acesso a uma alimentação saudável e adequada. Sobretudo em famílias de fraco poder económico (mas não só!), verificamos um consumo excessivo de alimentos com alta densidade energética, ricos em gorduras e açúcares, por serem, em geral, produtos de baixo custo que permitem atender às necessidades energéticas dos indivíduos por mais tempo, optimizando, desta forma, os recursos financeiros da família. Por falta de tempo, dinheiro e informação apropriada, as pessoas trocam, hoje, pratos saudáveis constituídos por carnes magras, peixe, verduras e frutas, por refrigerantes, alimentos industrializados, sandes e salgados.
As mulheres de classes económicas mais elevadas conseguem evitar a obesidade mais facilmente do que as pessoas de meios mais desfavorecidos, pois as exigências do seu ambiente social, associadas aos reforços e punições a que estão constantemente submetidas, determinam a sua motivação para permanecerem magras (Matos, 1990 cit Stunkard, 1986).

Factores psicológicos

As questões psicológicas também podem influenciar os hábitos alimentares, senão pensemos simplesmente no nosso próprio dia-a-dia em que, perante uma determinada característica discriminativa do meio (por exemplo um odor apelativo) apetece-nos comer, ainda que tenhamos acabado uma refeição.
Há estudos que se debruçaram sobre o comportamento e a fisiologia alimentares dos obesos e não-obesos, tendo encontrado algumas diferenças entre estes dois grupos de sujeitos. Os resultados íam, portanto, no sentido dos obesos responderem mais facilmente a estímulos discriminativos do que à sensação interna de fome. Isto explica situações paradoxais, como o facto do obeso conseguir estar várias horas sem se alimentar caso não haja comida disponível, sendo habitualmente incapaz de a ir procurar. Por outro lado, são capazes de suportar a fome, caso os alimentos não forem saborosos e de fácil acesso (Matos, 1990 cit Schachter, 1971).
Muitas pessoas comem como resposta a emoções negativas, como tristeza, tédio, solidão ou raiva, tão características de algumas perturbações, por exemplo da ansiedade (Brusch, 1973) e depressão. Porém, os autores defendem que a maioria das pessoas acima do peso não tem mais problemas psicológicos ou de personalidade do que as com o peso correcto (Moore, Stunkard & Strole, 1962; Friedman & Brownel, 1995).
Embora não se encontre um padrão comportamental comum aos obesos, foram encontradas algumas características de personalidade como estando associadas à obesidade, como por exemplo neuroticismo e ansiedade (Matos, 1990 cit Moore, Stunkard e Srole, 1962) ou hiperemotividade (Matos, 1990 cit. Schachter, 1971). Há, no entanto, estudos que contrariam estas conclusões (Matos, 1990 cit. Crisp e McGuiness, 1975; Crisp, Queenan, Sttampoln e Harris, 1980).

Implicações associadas à obesidade

A obesidade, sendo considerada uma doença crónica com as suas especificidades, acarreta diversas implicações para o indivíduo que a possui, sendo responsável pela diminuição da qualidade de vida e esperança média de vida. Entre elas podem ser apontadas as consequências físicas, psicológicas, sociais e económicas.
O conhecimento do “que é ser obeso na sociedade actual” e suas repercussões aos vários níveis é bastante importante, pois permite desenvolver programas de intervenção mais eficazes e adequados com vista à prevenção e tratamento.
Apesar das implicações decorrentes da obesidade serem apresentadas separadamente, elas encontram-se intrinsecamente relacionadas estabelecendo-se ligações importantes entre os vários domínios, social, emocional, económico e físico para o estabelecimento do bem-estar geral do indivíduo.

Implicações físicas

Relativamente aos problemas físicos associados à obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão arterial, certas formas de cancro (Van Itallie, 1995, OMS, 1998 in Friedman, 2006), traumatismo das articulações, dor nas costas, um maior risco de artrose e varizes e mortalidade (Bray, 1996, Chan, 1994 in Ogden, J., 2000) estão habitualmente presentes. Nos Estados Unidos é revelado o número de 300.000 pessoas que morrem por ano, directa ou indirectamente, devido à obesidade (Wang, Monteiro e Popkin, 2002 in Sousa, P., 2006). Mas é de notar que as consequências serão mais graves se o excesso de peso se situar na parte superior do corpo, como o abdómen. Para além disso, Wooley (1984) refere que tais problemas estão mais relacionados com a obesidade grave.
Ao pensar nas restantes consequências nocivas resultantes da obesidade (sociais, psicológicas e económicas), todas elas inter-relacionadas, surge a relevância dos valores culturais da sociedade moderna dos países desenvolvidos, onde se dá uma grande ênfase à magreza, i.é., onde impera a ideia de que apenas se é admirado e respeitado se se for magro.

Implicações sociais

O que desde muito cedo se verifica ocorrer face aos indivíduos obesos são atitudes negativas, a formação de estereótipos negativos e consequente discriminação. As pessoas obesas ainda são vistas como um dos últimos alvos aceitáveis de denigração nos Estados Unidos (Puhl & Brownell, 2001 in Carr, D. & Friedman, M., 2005), sendo também um dos estigmas sociais mais duradouros (Cahnman, 1968 in Carr, D. & Friedman, M., 2006). De acordo com Goffman (1963), o conceito de estigma refere-se a qualquer atributo pessoal que é “altamente desacreditador” para quem o possui; e esses atributos incluem a “estigmatização grupal”, “ aversão do corpo” e “ falhas no carácter individual”, estando estas duas últimas dimensões associadas à condição de pessoa obesa.
Vários estudos demonstraram que crianças com apenas 6 a 10 anos de idade tinham tendência para atribuir mais características negativas não relacionadas com o peso a outras crianças obesas do que às que possuíam peso normal, nomeadamente “preguiçosas”, “sujas”, “estúpidas”, “feias”, e “batoteiras” (Staffieri, 1967 in Haines, J. & Neumark-Sztainer, D., 2004) e acontecendo o mesmo no caso de avaliações de pessoas adultas (Lerner & Gellert, 1969, in Ogden, J., 2000). Já outros estudos referentes a crianças de idade pré-escolar são controversos, uns indicando já a presença de uma certa rejeição entre pares de crianças com excesso de peso (Forehand, Frame, Smith & Strauss, 1984) enquanto outros não referem ter encontrado qualquer diferença significativa (Lawson, 1980).
Outro facto que é atribuído às pessoas obesas é que elas são responsáveis pela sua condição por possuírem falhas no seu carácter, tal como preguiça, gula, falta de auto-controlo e de auto-disciplina (Allon, 1981, Crandall & Schiffhauer, 1998).
Mas, por outro lado, recentes reconceptualizações referentes à estigmatização realizadas por Link & Phelan (2001, in Carr, D. & Friedman, M., 2005) sugerem que, por si só, as atitudes negativas não são evidência suficiente de que os obesos são um grupo estigmatizado. Para os autores, o componente central do processo de estigmatização é o facto da pessoa rotulada experienciar discriminação e perda de estatuto, o que por sua vez, pode ter consequências prejudiciais para as suas oportunidades na vida, incluindo o bem-estar físico, psicológico, económico e social, já referido anteriormente. O que acontece na maioria dos estudos é que partem do pressuposto de q ue as atitudes negativas conduzem ao comportamento discriminatório, facto este documentado na psicologia social no sentido contrário, i.é., as atitudes das pessoas estão apenas fracamente relacionadas com o comportamento efectivo. Portanto, o processo de estigmatização deve englobar também as acções das instituições sociais e dos indivíduos que excluem e denigrem, assim como as reacções das pessoas que se encontram na categoria social depreciada (ibid).
No entanto, o que parece ter uma grande importância e ser uma variável mediadora na persecução e obtenção de resultados nesta situação são as percepções do próprio indivíduo relativamente ao facto de ter sido ou não tratado de maneira discriminatória. Por exemplo, uma pessoa obesa que acredita que os prestadores de cuidados de saúde os vêem e tratam de modo diferente, poderão evitar procurar ajuda. Carr e Friedman num estudo (2005) verificaram que os indivíduos obesos crêem que são alvo de múltiplas formas de discriminação. Os obesos severos ou super obesos (IMC > 35) têm mais tendência para referirem discriminação major (i.é., referente a tópicos como raça, etnia, género, idade, religião, aparência física e orientação sexual); envolvendo também a discriminação relacionada com o trabalho – ex: não ser promovido, ser despedido – e a discriminação relacionada com os cuidados de saúde (receber piores cuidados médicos) e discriminação interpessoal diária (i.é., experiências interpessoais recentes envolvendo tratamento desagradável e agressão ao carácter) relativamente a pessoas com peso normal. E apenas os obesos severos relataram discriminação relacionada com os cuidados de saúde. Num estudo de Maddox e Liederman (1969) sobre as crenças acerca da obesidade, foi pedido a médicos e estudantes de Medicina que classificassem doentes com excesso de peso de acordo com as suas características pessoais. Tal como aconteceu com as crianças, foram inferidas características pessoais não relacionadas com o peso, como por exemplo estúpidos (97%), fracassados (90%), fracos (90%), preguiçosos (86%), antipáticos (69%), infelizes (65%), feios (54%) e desajeitados (55%).
Outra constatação curiosa surgiu de um estudo realizado a uma população inserida num grupo de aceitação da gordura (E.U.A.), onde os membros desse grupo referiram tentar conciliar o seu peso excessivo com a escolha dos seus empregos, restringindo a escolha a empregos onde o peso não fosse uma característica em causa (ex. vendas por telefone) ou de modo a evitar a hostilidade do público e discriminação laboral (Rothblum, Bran, Miller & Oetjen, 1990 in Haines, J. & Neumark-Sztainer, D., 2004). Este facto sugere que as intervenções, para além de se focarem nos comportamentos de saúde e nos estilos de vida dos doentes obesos, também deveriam incidir nas práticas “daqueles que discriminam” (Link & Phelan, 2001 in Carr, D. & Friedman, M., 2005).
Os obesos severos também demonstraram sofrer consequências interpessoais mais acentuadas quando inseridos num meio sócio-económico mais elevado, meio este onde o facto de se ser magro é mais valorizado. Tal ocorrência vem reforçar que o estigma é inerentemente um processo social, variando de acordo com o contexto social.
A adolescência, enquanto período de formação da identidade e de grande interacção social, nomeadamente com o grupo de pares, incluindo os do sexo oposto, torna-se um período especialmente sensível quando se aborda o tema da obesidade. Outro aspecto a justificar a importância desta etapa do ciclo vital é o facto da obesidade na adolescência aumentar dramaticamente o risco de obesidade no estado adulto (Whitaker, Wright, Pepe, Seidel & Dietz, 1997 in Presnell, K., Shaw, H. & Stice, E., 2005).
Vários estudos revelaram que os adolescentes com excesso de peso, especialmente as raparigas, eram percebidos como parceiros menos desejáveis para o estabelecimento de relações amorosas. As adolescentes obesas relatam serem tratadas de um modo diferenciado devido ao seu peso, dizendo experienciarem estigmatização. Tal pode assumir a forma de comportamentos abertos, tal como o fazer troça, chamar nomes e serem alvo de comentários de escárnio e comportamentos desagradáveis por parte dos seus pares e também membros da família, embora estes últimos lhes pareçam menos intencionais. Mas, para além destes comportamentos abertos, são ainda usados meios de vitimização encobertos, especialmente dentro do grupo de raparigas adolescentes, as quais fazem uso do seu estatuto de amizade como maneira de vitimizar o seu par, ex. através da sua exclusão das actividades sociais (Crick, 1997; Galen & Underwood, 1997 in Haines, J. & Neumark-Sztainer, D., 2004). Foi encontrada assim uma diferença na vitimização relacional entre rapazes e raparigas adolescentes, reportando os rapazes uma maior estigmatização aberta, ao contrário das raparigas. Os adolescentes com excesso de peso têm tendência a isolarem-se mais socialmente e a ter menos amigos (Strauss & Pollack, 2003).
Outro ponto analisado, ainda dentro da dimensão social, diz respeito à relação entre o peso e a qualidade percebida das relações interpessoais, i.é., será que existem diferenças significativas entre as interacções positivas e negativas com os membros da família, amigos, marido ou esposa e colegas de trabalho entre os indivíduos obesos ou de peso normal? (Carr, D. & Friedman, M., 2006). Esta questão é bastante pertinente e de grande importância para compreender o modo como as pessoas lidam com o facto de serem obesas, o nível de stress associado, a procura e adesão ao tratamento e a motivação para a mudança. Relações que forneçam apoio à pessoa podem ajudá-la a lidar com o seu peso e proteger contra o stress derivado da discriminação e dos problemas de saúde associados ao seu peso excessivo. Por outro lado, a tensão existente nas relações pode contribuir para o estabelecimento e manutenção da obesidade, ou mesmo contribuir para a exacerbação de problemas de saúde associados ao seu peso (Okun & Keith, 1998, in Carr, D. & Friedman, M., 2006).
Várias explicações podem ser encontradas para o estabelecimento de interrelações negativas por parte dos indivíduos obesos. Visto existirem atitudes negativas face aos obesos na sociedade, pode-se esperar que os mesmos experienciem um menor apoio nas suas relações com os outros significativos. E por estarem acostumados ao criticismo e discriminação, podem antecipar e retribuir esse tratamento negativo, o que por sua vez, pode impedir a formação de novos relacionamentos (Link et al., 1989) ou exercer uma tensão nas relações já existentes (Snyder, Tanke & Berscheid, 1977). Outro aspecto deve-se à rejeição interpessoal, percebida ou real, que pode reduzir as suas oportunidades para desenvolver competências sociais fortes (Goldman & Lewis, 1977).
No entanto, contrariando estas perspectivas, várias investigações revelaram que as pessoas com excesso de peso experienciam relações pessoais próximas tão positivas como as pessoas possuindo um peso considerado normal. Para Goffman, as pessoas estigmatizadas podem escolher propositadamente interagir com “outros compadecidos” (“sympathetic others”), ou seja, aqueles indivíduos que compartilham o sentimento de que eles são humanos e normais apesar das aparências e apesar das suas próprias dúvidas. E estes “outros compadecidos” seriam aqueles que também possuiriam o estigma (ex. que compartilhavam o atributo negativo como a obesidade, que poderiam oferecer um ao outro aceitação, apoio emocional e moral e empatia) ou seriam as “pessoas sensatas” (“wise persons”) que teriam conhecimento da vida secreta dos indivíduos estigmatizados, que tinham compaixão por eles e não tinham internalizado os estereótipos negativos sobre a desiderabilidade e carácter dos indivíduos obesos. Neste último caso, a pessoa seria um parente do obeso, estaria casado com ele ou tería outro tipo de laço social.
Mas para tentar alcançar a complexidade inerente ao estabelecimento das interrelações, Carr e Friedman (2006) acrescentaram dois aspectos como a voluntariedade (i.é., se uma pessoa escolhe entrar na relação) e a permanência (i.é., se uma pessoa está incapaz de terminar o relacionamento). Assim, os laços familiares, principalmente o de pais, irmãos e filhos, são involuntários e baseados num forte sentido de obrigação, correspondendo então à dimensão de permanência. Por outro lado, as amizades, casamento e as relações com os colegas de trabalho (embora estes num grau inferior) são estabelecidas voluntariamente.
Deste modo, espera-se que o peso corporal esteja associado com a qualidade das relações apenas no caso de elas serem iniciadas e mantidas involuntariamente, pois para além das pessoas terem tendência para se relacionar com pessoas semelhantes, nas relações voluntárias, caso exista tensão ou dificuldades, estas poderão ser quebradas, ao contrário do que acontece com as relações referidas como permanentes.
Outro aspecto que pode determinar o rumo das interrelações quando se pertence a um grupo estigmatizado tem a ver com o facto de possuir o atributo durante toda a vida (“inborn stigma”) ou se este é adquirido mais tarde na vida. De acordo com a teoria designada Modified Labeling Theory as pessoas que cedo adquirem a identidade estigmatizante estão particularmente susceptíveis às consequências interpessoais e sociais prejudiciais dessa identidade. Assim, as pessoas são socializadas para internalizar um conjunto de crenças sobre os membros de um grupo estigmatizado, o que faz com que se sintam ameaçadas nas interacções com os outros. Uma das consequências adventícias pode ser o isolamento social ou, em alguns casos, a limitação da sua interacção às “pessoas sensatas”. Por outro lado, os sujeitos que tiveram um peso normal até à idade de jovens adultos, ou mais tarde, tornando-se posteriormente em obesos, podem não se “reidentificar” prontamente como pertencendo a um grupo estigmatizado.
Por conseguinte e em jeito de conclusão, as interrelações com outros significativos devem depender da trajectória de peso de uma pessoa, em vez do seu peso actual.
Estabelecendo a ponte com os factores psicológicos que serão abordados de seguida, o tratamento negativo a que por vezes as pessoas com excesso de peso são sujeitas pode afectar a sua auto-estima e o humor, o que, por sua vez, estão associados a relações interpessoais pobres (Crocker& Major, 1989 in Carr, D. & Friedman, M., 2006).

Implicações psicológicas

Ao ter em consideração o facto dos indivíduos obesos serem enquadrados num grupo estigmatizante, sustentando-se atitudes negativas sobre a sua condição, e ao serem por isso tratados de modo diferenciado, pressupõe-se que a sua auto-estima seja afectada, visto esta ser influenciada pelas nossas percepções sobre como os outros nos vêem e tratam.
No entanto, apesar de alguns estudos encontrarem associações significativas entre obesidade e auto-estima (ex. French, Story & Perry, 1995 in Haines, J. & Neumark-Sztainer, D., 2004), outros não chegaram a tais resultados. Friedman e Carr (2005) concluíram que os obesos II/III possuíam níveis mais baixos de auto-aceitação, tendo explicado essa associação através das crenças do indivíduo obeso de ter sido tratado de um modo diferente devido ao seu peso ou aparência.
No entanto, o estudo já referido de Friedman e Brownel (1995) mostrou que as raparigas adolescentes tinham tendência para experienciar uma maior insatisfação com o seu corpo e uma baixa auto-estima, enquanto que as mulheres adultas tendiam a apresentar apenas uma insatisfação com o seu corpo. Tal pode dever-se à elevada pressão a que as adolescentes estão submetidas nesse período de vida ou então, pelo facto das mulheres adultas terem desenvolvido uma auto-estima mais positiva devido a outros aspectos na sua vida.
Outra associação que parece surgir quando se pensa em obesidade prende-se à depressão e ansiedade. Mas do mesmo modo, vários estudos demonstraram não haver uma ligação significativa entre o excesso de peso e os distúrbios psicológicos referidos, tanto em crianças e adolescentes (Friedman & Brownel, 1995; Wadden, Foster, Stunkard & Limowitz, 1989 in ibid) como em adultos da população em geral (ex. Moore, Stunkard & Strole, 1962; Friedman & Brownel, 1995).
No entanto, já na população de obesos que procura tratamento para a redução do peso, os mesmos autores verificaram ser mais comum a presença de distúrbios psicológicos comparativamente à população não obesa.
Visto isto, eles avançam com uma explicação para tais discrepâncias, referindo dever-se ao facto dos obesos serem normalmente tratados como um grupo homogéneo, algo que não se revela verdadeiro.
Relativamente à ansiedade, Costa (1997, in Sousa, P.) encontrou relações significativas entre obesidade e ansiedade-estado
[1], a ansiedade-traço e a raiva voltada para dentro. Um aspecto importante já referido anteriormente aquando da abordagem das implicações sociais, o ser submetido por longos períodos de tempo a troça ou o chamar nomes por parte dos seus pares e/ou membros da família devido ao peso excessivo, demonstrou ter um grande impacto a nível psicológico, para além de interferir nas relações sociais. Os adolescentes submetidos a esse tratamento demonstravam maus resultados na satisfação corporal, auto-estima, sintomatologia depressiva e havia uma elevada percentagem de relatos de ideação suicida e tentativas de suicídio (Eisenberg, Neumark-Sztainer & Story), verificando-se estes em ambos os géneros, nos vários grupos raciais e étnicos e grupos de diferentes pesos.
Tentando explorar um pouco mais a relação entre a obesidade, depressão e stress, Ross (1994) avançou com três hipóteses explicativas para tal relação. Se ser obeso é estigmatizante, as avaliações negativas feitas pelos outros podem ser internalizadas na forma de elevados níveis de depressão e auto-rejeição, baixa auto-estima e uma auto-imagem negativa, levando a prever que o facto de ser obeso tem um efeito directo na depressão, principalmente nos grupos sociais em que tal condição é menos comum -perspectiva da auto-avaliação reflectida – (reflected self-appraisal perspective) Alternativamente, a obesidade pode não ser stressante per se.
A segunda hipótese refere que o stress ou mal-estar advém da tentativa da pessoa se encaixar nas normas de aparência da sociedade, onde ser magro equivale a ser atraente, fazendo constantes tentativas para perder peso através de dieta. Por último, a associação poderá dever-se às consequências na saúde de se ser obeso, i.é, pode resultar mais das implicações físicas do que do próprio significado social.
Por outro lado, as pessoas com excesso de peso têm uma tendência maior para fazer dieta e para ter um pior estado de saúde, condições estas que se associam com a depressão. A privação das dietas com baixo valor calórico, a culpa sentida ao falhar na persecução de uma dieta, a preocupação que acompanha a dieta e a interferência que ela causa nas actividades sociais pode provocar stress em qualquer pessoa que realize uma dieta, e não só nos obesos.
Os resultados demonstraram que ser obeso não tem um efeito directo na depressão em nenhum grupo social, com excepção dos que têm um nível de instrução mais elevado. Apenas a perspectiva de se encaixar nas normas de aparência e a perspectiva da saúde física receberam forte apoio empírico nesta investigação. Então será esta combinação que explicará o efeito negativo de se ser obeso no desenvolvimento de depressão.
Ainda de acordo com a primeira perspectiva apontada anteriormente, a teoria do interaccionismo simbólico também refere que as pessoas obesas podem formar uma auto-avaliação negativa como reacção ao comportamento discriminatório de que são alvo (ou que é percebido como tal), pois segundo esta teoria, o auto-conceito desenvolve-se através das interacções com os outros e isso reflecte a nossa percepção da avaliação feita pelos outros (Cooley, 1956 in Carr, D. & Friedman, M., 2005). No entanto, tal hipótese foi infirmada pelo estudo empírico, tanto na população em geral como em população clínica, verificando-se que o simples facto de ser obeso não estava associado com elevados níveis de depressão ou ansiedade (O’neil & Jarrell, 1992) ou baixa auto-estima (Kim et al., 1991), como foi referido.
[1] A ansiedade-estado pode ser caracterizada como o estado emocional transitório caracterizado por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão conscientemente percebidos e caracterizado por um aumento da actividade do Sistema nervoso Autónomo. Já a ansiedade-traço refere-se a diferenças individuais relativamente estáveis de propensão para a ansiedade, i.é., a diferenças na tendência para reagir a situações percebidas como ameaçadoras com intensificação do estado de ansiedade (Andrade & Gorenstein, 1998 in Cataneo, C., Carvalho A. & Galindo, E., 2005).

Implicações económicas

Outra consequência negativa que se faz sentir sobre as pessoas obesas, e mais especificamente sobre o género feminino, prende-se com o nível económico. Estudos demonstraram que as mulheres com excesso de peso recebiam um ordenado 12 % inferior comparativamente a mulheres não obesas nas mesmas condições (Register & Williams, 1997 in Haines, J. & Neumark-Sztainer, D., 2004). Já no caso dos homens obesos, estes encontrar-se-iam sub-representados e recebendo salários inferiores em ocupações profissionais e administrativas e sobrepresentados nas ocupações relacionadas com o transporte (ibid).
Uma explicação para esta situação desvantajosa pode ser a existência de práticas laborais discriminatórias, por exemplo na selecção para empregos, a realização de promoções, etc., assim como se pode dever ao factor educativo, visto a estigmatização relacionada com o peso poder interferir com o rendimento escolar.

Infância

No que diz respeito às crianças, podem ser apontadas algumas causas fisiológicas para o desenvolvimento da obesidade, nomeadamente sindroma de Cohen e de Prader-Willi, sindroma de Cushing e o uso de antipsicóticos (Laranjeira e Rodrigues, 2007, in conferência Meninos Gordos).
De acordo com a investigação de Mello et al (2004), na obesidade infantil também podemos apontar uma série de questões sociais inerentes ao crescimento exponencial da doença nesta faixa etária, nas últimas décadas. Vivemos num mundo globalizado, onde impera a influência dos meios de comunicação social, o que permitiu a chegada das cadeias de fast-food, disponibilizando refeições muito calóricas e, portanto, pouco saudáveis, muitas vezes pensadas especificamente para as crianças. Tal facto é comprovado pela existência de menus infantis (por vezes com oferta de brinde), estrategicamente difundidos por uma perspicaz rede de publicidade que alcança os seus objectivos junto dos mais pequenos. Estas refeições são atraentes e de baixo custo, daí que, por vezes, seja difícil negar às crianças uma pizza ou um hambúrguer. Estamos perante uma espécie de ciclo vicioso de agravante complexidade quando os próprios pais são apreciadores deste tipo de alimentação.
Na Conferência Meninos Gordos (Laranjeira e Rodrigues, 2007), as cantinas e o bar da escola foram também apontados como determinantes no aparecimento da obesidade, pois nem sempre confeccionam alimentos saudáveis, que facultem às crianças uma alimentação adequada.
Abordando especificamente a primeiro estudo epidemiológico sobre obesidade infantil em Portugal (Padez, 2001 – cf entrevista gravada no trabalho prático), foi identificado um conjunto de factores de risco responsável pelo seu desenvolvimento. Deste modo, foram apontados o peso à nascença (bebés com maior peso tendem a desenvolver obesidade), o período de amamentação (é um factor protector, logo quanto maior o tempo de amamentação, menor a probabilidade da criança vir a ser obesa), o tamanho da família (quanto maior o número de filhos, menor a tendência para esta doença), o número de horas de sono (um menor número de horas de sono, aumenta a probabilidade de desenvolver obesidade), o número de horas a ver televisão (directamente proporcional ao desenvolvimento da obesidade), o grau de instrução dos pais (quanto menor o nível escolar, menor informação, logo maior probabilidade de estabelecimento de obesidade) e a obesidade dos mesmos (filhos de pais obesos tendem a ser obesos).
Quanto às medidas preventivas, podemos afirmar como preponderantes as políticas governamentais, pelo seu dever em apoiar financeira e logisticamente actividades promotoras de exercício físico diário (medida aplicada, por ex, nas escolas dos países nórdicos), bem como pelo poder repressivo que deve exercer perante publicidade de produtos alimentares pouco saudáveis e mesmo no que diz respeito à sua venda nos bares escolares. Estas seriam iniciativas primárias importantes para o desenvolvimento de uma sociedade mais saudável e menos obesa, no entanto de complexa aplicação (cf em anexo entrevista com Drª Idalina Maciel, pediatra, 2007).
Alguns estudos revelam ainda que 50% das crianças aos 6 meses de vida e 80% daquelas aos 5 anos, serão sempre obesas.
Tendo em atenção o estudo de Antunes (2007) existe uma série de complicações físicas ligadas à obesidade infantil, nomeadamente o aumento do colesterol, que, aliado ao excesso de peso, constitui um factor predisponente para a doença coronária. Também a arteriosclerose começa na infância com o depósito de colesterol nas artérias musculares, formando as estrias de gordura, que podem evoluir nos adultos para lesões arterioscleróticas avançadas, sendo este problema reversível, mas no início do desenvolvimento.
A criança obesa fica, ainda, segundo a mesma fonte, vulnerável a problemas ortopédicos (pé plano, tíbia vara e epifisiole femoral proximal), respiratórios (apneia do sono, asma, intolerância ao exercício), endócrinos (hirsutismo, resistência à insulina, diabetes mellitus tipo 2), cardiovasculares (Hipertensão arterial, coagulopatias e doença cardíaca), gastrointestinais (Litiase biliar, fígado gordo, refluxo gastro-esofágico) e ainda de problemas metabólicos como dislipidémias e neurológicos como a hipertensão intracraniana idiopática.
Na obesidade infantil e mesmo juvenil, temos de ter em conta que estamos inseridos numa sociedade em que a imagem é um factor muito importante e este aspecto começa a ser aprendido logo na infância. A criança obesa além de não conseguir participar em muitos jogos com os pares e não ter a agilidade e mobilidade próprias da sua idade, também não usufrui do aspecto de uma criança saudável, factores estes que levam à discriminação e, muitas vezes, ao isolamento da criança, contribuindo para a sua baixa auto-estima e auto-confiança.
Quando não tratados e acompanhados devidamente, estes casos podem atingir um pico de gravidade psicológica, com o aparecimento de perturbações emocionais como a ansiedade e a depressão, as quais aparecem frequentemente ligadas à ingestão excessiva de alimentos. Alguns autores defendem mesmo que há obesos incapazes de identificar e reflectir sobre as suas emoções e de terem comportamentos assertivos.
A criança obesa vive em constante sofrimento psicológico em alguns casos sofre de enurese e de baixo rendimento escolar. Tem tendência para se afastar das crianças da mesma idade e de sentir uma forte dependência em relação à família. Esta questão parece estar relacionada sobretudo com a falta de confiança nela própria, que, por sua vez, advém principalmente da discriminação e do auto-conceito de imagem corporal. Entramos quase num ciclo vicioso, em que um aspecto implica o outro num trajecto circulatório.

Adolescência

“(…) são as mudanças do período que começa com as transformações biológicas e anátomo-fisiológicas universais (com vivências culturalmente diversas e individualmente específicas), as mudanças que se operam no pensamento, na construção da identidade e na construção de um sistema ético de valores, as quais (…) norteiam o desenvolvimento progressivo para a entrada num curso ou a escolha de uma profissão e/ou na escolha de uma opção afectiva (…). Estas mudanças internas possibilitadas pelo contexto experiencial e macrossocial concorrem para que esta fase do desenvolvimento seja claramente identificada.” (Medeiros, 2000, 24)
“A adolescência é dominada pela noção de mudança (…) o organismo sofre modificações de base que vão afastar sucessivamente todos os aspectos da vida biológica, mental e social: o corpo transforma-se (…) com a puberdade, o pensamento também modifica o seu modo de abordar o real (…).” (Claes, 1985,8).
De facto, se quisermos entender este período, temos de ter em atenção algumas dimensões importantes e temos, acima de tudo, de entender a adolescência como período de construção, de mudanças, de transição, de crise. Com esta pequena introdução parece, à primeira vista, que estamos longe do objectivo ao qual nos propusemos. Na realidade, achamos pertinente e até fundamental ter uma noção, ainda que um pouco vaga, da definição da adolescência para nos podermos situar numa posição mais consciente face aos problemas que esta fase pode enfrentar. Neste caso, abordaremos, mais especificamente a obesidade na adolescência.

Factores de risco na adolescência

Um pouco ao encontro das definições supracitadas, durante a adolescência, especialmente na puberdade, ocorre um acentuado crescimento físico, período em que há o aumento de 50% do peso e 15% da estatura final do adulto. O crescimento acelerado, acompanhado pelo desenvolvimento psicossocial e estimulação cognitiva intensa, torna as necessidades de energia e nutrientes elevadas, sendo estas atendidas inadequadamente na maioria das vezes. É neste contexto que os adolescentes gozam do fácil acesso a produtos de elevado conteúdo calórico como chocolates, gomas, sandes, refrigerantes, bolachas, bolos, etc. Muitas vezes não tomam o pequeno-almoço, omitem algumas refeições, fazendo a sua substituição por lanches. Estes lanches são, muitas vezes constituídos pelos novos produtos alimentares – “fast-food”. Maus hábitos alimentares, como já havíamos mencionado anteriormente, colabora com o desenvolvimento da obesidade, cujos índices têm crescido nas últimas décadas decorrentes do aumento do consumo de alimentos com alta densidade calórica e redução da actividade física. O hábito de omitir refeições, especialmente o desjejum, juntamente com o consumo de refeições rápidas, fazem parte do estilo de vida dos adolescentes, sendo considerados comportamentos inadequados que podem contribuir para o desenvolvimento da obesidade.
Traçado o perfil alimentar dos adolescentes, podemos considerá-lo um factor de risco estudado para a compreensão da obesidade nesta faixa etária. Para combater este factor, após conhecer os hábitos alimentares, devemos promover uma alimentação saudável, prevenir perturbações alimentares, prevenir obesidade, promover o gosto pelo próprio corpo e promover o gosto, a escolha e o acesso a uma alimentação saudável.
Paradoxalmente, estudos demonstraram que as adolescentes que realizavam dietas regularmente estavam numa situação de risco acrescido para o desenvolvimento futuro de obesidade, acontecendo o mesmo aquando do recurso a comportamentos radicais de controlo de peso, como o uso de laxantes ou o vómito. (Stice et al., 1999 in Presnell, K., Rohde, P., Shaw, H. & Stice, E., 2005). Uma possível explicação para tal ocorrência prende-se com o facto das adolescentes poderem sobrestimar o número de calorias que podem consumir visto terem recorrido anteriormente aos comportamentos para o controlo de peso. Por outro lado, o aumento da eficiência metabólica resultante dos comportamentos já citados pode também conduzir ao aumento de peso (Klesges et al., 1992 in Presnell, K., Rohde, P., Shaw, H. & Stice, E., 2005).
Um outro factor de risco associado à obesidade na adolescência é a actividade física. Está provado que, entre outros factores, o tempo que um adolescente passa em frente à televisão, pode estar associado à obesidade. A televisão tem assim grande influência sobre os hábitos alimentares e promove o sedentarismo. Este sedentarismo está, naturalmente, associado à falta de exercício físico e é intensificado pelo tempo que os adolescentes dispõem para jogos de computador e Internet. Podemos ainda destacar alguns aspectos de ordem mais sócio-cultural, que podemos associar à mudança do estilo de vida. Referimo-nos ao desenvolvimento tecnológico, às comodidades modernas, como os meios de transporte e os elevadores e o ritmo de vida nas cidades.
Um terceiro factor de risco é a tendência familiar, uma vez que vários estudos comprovam que a obesidade infantil é preditiva da obesidade na vida adulta. Neste sentido, afirma-se uma predisposição hereditária para o excesso de peso.
Para além disso, alguns estudos referem que pais obesos têm grande probabilidade de ter filhos obesos e um adolescente obeso tem mais de 70% de probabilidade de vir a ser um adulto obeso.
De um ponto de vista mais psicológico, a sintomatologia depressiva demonstrou ser de um modo robusto um factor de vulnerabilidade para o estabelecimento da obesidade. Tal facto pode ser explicado pela Modelo Etiológico da Regulação do Afecto, onde os indivíduos deprimidos recorrem aos alimentos de modo a fornecer conforto e distracção das emoções negativas (Hoppa & Hallstrom, 1981 in Presnell, K., Rohde, P., Shaw, H. & Stice, E., 2005).

Comportamentos de controlo de peso não saudáveis e ingestão compulsiva

As pessoas obesas têm uma maior tendência para se socorrerem de comportamentos não saudáveis com o objectivo de controlarem o seu peso, nomeadamente laxantes, diuréticos, tomar comprimidos para emagrecer ou vómito auto-induzido, sendo mais prevalente nas raparigas adolescentes (Neumark-Sztainer, Story, Falkner, Beuhring & Resnick, 1999).
Verificou-se também que relativamente às pessoas de peso normal, os obesos têm uma maior tendência para a ingestão compulsiva (Marcus, 1993 in Haines, J. & Neumark-Sztainer, D., 2004), sendo mais comum no género feminino, adolescentes e adultos e na população clínica.
Vários factores foram apontados para tal ocorrência: factores fisiológicos (apetite aumentado), comportamentais (ex. resposta à restrição alimentar), psicológicos (ex. resposta ao humor depressivo) e sociais (ex. maior exposição a situações indutoras de stress como a estigmatização relacionada com o peso). Segundo Cerqueira (1999 in Sousa, P. 2006), os indivíduos obesos recorrerão à comida como mecanismo de defesa face ao stress e ansiedade, e sobretudo ao défice de afecto, comunicação, dedicação e estruturação familiar.
A Perturbação de Ingestão Compulsiva (PIC) está incluída no DSM-IV como proposta de categoria diagnóstica que necessita de estudo e como exemplo de Perturbação do Comportamento Alimentar Sem Outra Especificação. De um modo geral, podem ser apresentadas como características desta perturbação o comer até estar desconfortavelmente cheio, comer quando não se tem fisicamente fome, comer sozinho, experimentando sentimentos de depressão ou culpa. Relativamente à sua prevalência, existe uma enorme diferença entre a população geral e a clínica, sendo respectivamente de 0,7-4% e 15-50% (DSM-IV-TR,2000).
De notar que a maioria das pessoas diagnosticadas com PIC possui variados graus de obesidade, no entanto, tal diagnóstico não se restringe às pessoas obesas.
Os episódios de compulsão diferem nas pessoas obesas e nas pessoas diagnosticadas com Bulimia Nervosa, as quais também recorrem à ingestão compulsiva. Assim, verificou-se que os obesos ingeriam mais gorduras em vez de carbohidratos, consumiam cerca de metade das calorias e faziam-no com menor frequência relativamente aos indivíduos bulímicos. O que parece despoletar os episódios de ingestão compulsiva são situações que se verificaram estar associadas em algum grau à obesidade, o que pode explicar a prevalência desta perturbação nos indivíduos com obesidade, como por exemplo estados emocionais negativos como a raiva, frustração, ansiedade e depressão, situações sociais, o período do dia e o tipo de refeição.
Outro facto importante é a existência de uma correlação positiva entre a severidade da ingestão compulsiva e o grau de obesidade, demonstrando que os obesos com esta perturbação relatam o estabelecimento mais precoce da obesidade, o iniciar mais cedo de dietas e a preocupação com o seu peso, referem igualmente uma maior flutuação de peso no passado, gastando também mais tempo no estado adulto a tentar perder peso.

Estratégias de coping

Como se referiu aquando da análise das implicações psicológicas devido ao excesso de peso, a obesidade per se não se relaciona com problemas psicológicos como depressão e ansiedade. Hill e Williams (1998, in Karlsson, J. & Rydén, A., 2001) sugerem o efeito mediador de factores cognitivos entre a obesidade e a saúde mental. Seguindo esta linha de investigação, Karlsson e Rydén (2001) propuseram a introdução do conceito de coping[1] para tentar compreender o porquê de alguns indivíduos sofrerem por serem obesos, enquanto outros não. Visto haver pouco conhecimento sobre os mecanismos psicológicos envolvidos no ajustamento do indivíduo ao facto de sofrer de uma doença crónica como a obesidade, estes autores procuraram perceber como as pessoas obesas lidavam com a sua situação e tentavam ultrapassar o stress. Desse modo, tentaram identificar as estratégias de coping utilizadas pelos diferentes sujeitos e analisar o seu impacto sobre o stress decorrente da obesidade. I.é., tentaram perceber se os indivíduos usavam o coping centrado no problema, onde a pessoa tenta diminuir o stress reconceptualizando o problema cognitivamente, minimizando os seus efeitos ou resolvendo-os; ou se, por outro lado, usavam o coping centrado na emoção, desenvolvendo respostas como o sonhar acordado, preocupação consigo próprio ou regulação emocional.
Os autores encontraram três factores de coping associados especificamente à obesidade, dois deles relacionados com estratégias mais activas (centradas no problema), como a “confiança social” que reflectia o modo como as outras pessoas eram vistas como potenciais fontes de ajuda para a resolução de problemas e o “espírito lutador”, onde os problemas são encarados como desafios para serem resolvidos, enfatizando aquilo que é possível fazer. O terceiro factor, designado “pensamento ilusório” (wishful thinking) e correspondente a uma estratégia orientada para a emoção consistia em pensar em métodos que facilmente o fariam perder peso ou em pensar em coisas que iria fazer quando deixasse de ser obeso.
Quanto ao impacto específico do stress nos indivíduos obesos, foram encontrados dois factores, a “Intrusão”e a “Desesperança” (Helplessness). O primeiro factor era referente ao impacto negativo que a obesidade tinha em todos os aspectos da vida e como tal ocuparia o pensamento, i.é., onde o peso seria a única preocupação do indivíduo e onde o mundo era visto em função do seu peso. Já o segundo factor, designava a situação onde a pessoa não sabia o que fazer, não tinha controlo sobre a sua vida e associava-se a sentimentos de fraqueza.
Estudos que analisaram as estratégias de coping centradas no problema chegaram a diferentes conclusões, podendo este estar ou não associado a melhorias na saúde mental, enquanto que o coping centrado na emoção foi associado ao aumento do stress (Endler & Parker, 1992 in Karlsson, J. & Rydén, A., 2001). No entanto é preciso ter em consideração que tais estratégias são influenciadas por factores situacionais e pessoais, e quanto à influência do estilo de coping sobre o stress, este deve ser visto como um processo interactivo, i.é., o modo como a pessoa lida com a situação influencia as suas reacções emocionais e estas, por sua vez, influenciam o modo de lidar com a situação. Assim, na presente investigação em análise tanto o “espírito lutador” como a “confiança social” reduziam o sentimento de stress, mas enquanto o primeiro tinha um forte efeito na “intrusão”, o segundo tinha um efeito fraco na “intrusão” e “desesperança”. Por sua vez, o “pensamento ilusório” aumentava o stress e estava altamente relacionado com a “intrusão”. Tal indica que esta estratégia de coping poderia ter sido eficaz em reduzir o stress no início, servindo como incentivo para a mudança. Mas visto o facto de o “ser obeso” não se ter alterado com esta estratégia, a dissonância entre a realidade e a fantasia poderá ter levado a um aumento do stress.
Concluindo, pode-se dizer que as estratégias de coping centradas na resolução do problema são adaptativas, enquanto as que se centram na emoção demonstraram ser desadaptativas no caso da obesidade.
[1] Coping refere-se às estratégias conscientes com o objectivo de reduzir o stress; Stress refere-se a uma reacção emocional a situações adversas.

Obesidade, a epidemia do século XXI

De acordo com o JN, “a Organização Mundial de Saúde (OMS) fez as contas e chegou à conclusão de que no planeta já existem mais pessoas com excesso de peso do que a passar fome. A obesidade deixou de ser um fenómeno exclusivo dos países ricos, tanto que em locais como a China, onde a fome ainda atinge mais de 150 milhões de pessoas, o excesso de peso também já afecta mais de 20 milhões de pessoas”.
A mesma fonte fez saber que numa circular normativa da Direcção-Geral de Saúde, enviada para os hospitais quando foi criado o Programa Nacional de Combate à Obesidade, podia ler-se que “a prevalência da obesidade, a nível mundial, é tão elevada que a OMS considerou esta doença como a epidemia do século XXI”. Não é para menos, a mesma circular deixa claro que, “se não se tomarem medidas drásticas”, mais de metade da população mundial será obesa dentro de 20 anos.
Chega a ser um contra-senso nos dias de hoje, em que vivemos numa sociedade "dita" moderna, onde o homem há muito tempo já pisou na lua e o progresso da ciência e da medicina são indiscutíveis, a obesidade avançar em proporções alarmantes, como já tivemos oportunidade de referir.
A obesidade afecta cada vez mais crianças a nível mundial e Portugal não é excepção. Um estudo realizado demonstra que no nosso país 31,5% das crianças dos 7 aos 9 anos apresenta sobrepeso e 11,3% são obesas (Padez, 2001). É de extrema importância a atitude dos pais, bem como da escola e dos planos de prevenção para que consigamos inverter esta tendência.
A obesidade não é um problema individual, muito menos uma questão de estética, é uma doença crónica de saúde pública e, em simultâneo, uma preocupação social que a todos diz respeito.

Tratamento ou possíveis intervenções

O tratamento desta doença depende do nível de obesidade, da condição geral de saúde e, claro, da motivação do doente para perder peso, i.é, as técnicas usadas no tratamento da obesidade variam consoante a gravidade da situação em que o doente se encontra. A intervenção é geralmente multiterapêutica, tendo sempre o objectivo de prevenção das complicações associadas a obesidade. Grosso modo, a intervenção na obesidade pode recorrer a uma dieta alimentar saudável e adequada, exercício físico regular, modificação do comportamento por psicoterapia, medicação e cirurgia (em casos de obesidade severa). Iremos, no tópico seguinte, proceder a uma análise mais pormenorizada do tratamento psicoterapêutico, por ser o que nos está directamente relacionado.

O tratamento cognitivo-comportamental na Obesidade

O tratamento cognitivo-comportamental é uma das técnicas terapêuticas auxiliares no controle do peso que se baseia na modificação de comportamentos disfuncionais associados aos hábitos alimentares do paciente. Estes programas partem do pressuposto de que a obesidade inclui uma alteração da aprendizagem que leva à ingestão excessiva de alimentos.
A terapia cognitiva tem vindo a mostrar a sua eficácia nesta área por trabalhar a partir da estrutura operante do paciente, com o objectivo de provocar mudanças de peso e comportamentos, em princípio, relacionados ao autocontrolo de comportamentos alimentares (Abreu, 2003). A avaliação e correcção dos pensamentos inadequados, que contribuem tanto para a etiologia, quanto para a manutenção da obesidade, são procedimentos disparadores e frequentes no processo psicoterapêutico para a modificação comportamental. Para tal, contamos com alguns procedimentos inter-relacionados, de base cognitiva, incorporados a outros programas comportamentais, como: reestruturação cognitiva, imagens orientadas, treino da auto-instrução, determinação de objectivos, estímulo ao auto-reforço e resolução de problemas são alguns (Abreu, 2003).
O modelo cognitivo-comportamental identifica a crença central e a crença intermédia (regra, atitude, suposição) que leva a um pensamento e influencia uma situação, e vice-versa, desencadeando igualmente reacções emocionais, comportamentais e fisiológicas (Vasques, Martins e Azevedo, 2004 cit Hawton, 1997). Com base nesta orientação, os sistemas de crenças de indivíduos obesos determinam sentimentos e comportamentos desencadeados por pensamentos disfuncionais acerca do peso, da alimentação e do valor pessoal; por exemplo, a crença de que ser magro está associada a autocontrolo, competência e superioridade interfere directamente na constituição da auto-estima da pessoa, ou mesmo, a crença de que ser magro é fundamental para a solução de problemas da vida e que, portanto, pessoas obesas seriam infelizes e mal sucedidas, são significações que também são encontradas neste grupo (Abreu, 2003).
Estes conjuntos de crenças provocam, no obeso, tendências disfuncionais de raciocínio levando-o a desenvolver pensamentos dicotómicos.

Fundamentos da aplicação da TCC no tratamento da Obesidade

(dada a especificidade do tema, recorremos, neste tópico, a três referências bibliográficas: Rodríguez, Gómez, Martínez e Pérez (2003)

A necessidade de complementar as pautas dietéticas e de exercício físico com a aplicação de programas de redução de peso e evitamento da sua recuperação constituem o principal desafio para o doente obeso e, por conseguinte, pode existir uma enorme dificuldade da sua parte em enfrentar um estilo diferente de vida, que inicialmente se pode revelar extremamente duro. A necessidade de fazer exercício físico diário tem que se conciliar com uma nova dieta alimentar, mais difícil de implementar, mas também mais saudável. As técnicas do TCC dirigem-se, sobretudo, para a modificação do comportamento alimentar e da actividade física, através de uma mudança de atitude e da colaboração do paciente. Existem inúmeros indícios que demonstram que a aplicação destes programas melhora consideravelmente a evolução destes pacientes, potenciando as outras dimensões do tratamento da obesidade. Porém, devido ao carácter crónico da doença, a acção terapêutica tem de ser prolongada no tempo, no centro da qual a TCC desempenha um papel fulcral. Repare-se que toda esta intervenção deve ser pautada por uma acção especializada e conjunta dos vários técnicos de saúde (nutricionista, endocrinologista, médico, etc) e não apenas do psicólogo (Rodríguez, Gómez, Martínez e Pérez (2003).

Os objectivos principais da TCC são:

1. Perceber qual o grau de motivação do doente para o tratamento da Obesidade.
2.Tentar diminuir o stress a que o paciente é sujeito no dia-a-dia
3.Dar uma educação nutricional ao paciente para que este possa atingir o peso ideal e os objectivos terapêuticos sem efeitos secundários graves
4.Ensinar acções para que o doente possa evitar a desordem na alimentação potenciando a criação de hábitos alimentares saudáveis.
5. Fazer com que o doente seja o “actor principal” no controlo do seu tratamento para que este se comprometa com os objectivos estipulados
6. Minimizar a dificuldade que o doente tem nos primeiros estágios de tratamento de lidar com a nova dieta saudável e com a prática do exercício físico.

Estratégias de tratamento da terapia cognitivo comportamental:

Autocontrolo – O autocontrolo baseia-se na capacidade que o doente tem de controlar o seu comportamento durante as diversas fases terapêuticas do tratamento da obesidade e pode estar presente em várias fases:
a) Anotação da evolução do peso corporal.
b) Monitorização qualitativa da fome antes e depois das refeições.
c) Tomada de consciência do estado emocional antes e depois da toma do alimento.
d) Registar o exercício físico realizado bem como dos alimentos ingeridos e tendo em conta principalmente as gorduras e os hidratos de carbono (Rodríguez, Gómez, Martínez e Pérez, 2003).

Controlo de estímulos – O controlo dos estímulos passa, por um lado, por identificar as circunstâncias ambientais que precipitam os desvios alimentares ou a inactividade física e, por outro lado, fazer uso de uma série de estratégias que atenuem esses mecanismos. As refeições marcam um momento importante em que o comportamento do obeso pode ser decisivo no seu tratamento, por isso, para atenuar os mecanismos que precipitam desvios como a compulsão ou episódios de fome o doente obeso deverá fazer apenas três refeições diárias que deverão acontecer no mesmo lugar e a mesma hora. Os pratos devem ser pequenos e as refeições precisam de ser servidas em pequenas quantidades pouco calóricas que não devem ser repetidas (Rodríguez, Gómez, Martínez e Pérez, 2003).

Reestruturação cognitiva – A reestruturação cognitiva pretende mudar a forma como o paciente se vê sobretudo ao nível da imagem corporal. É necessário perceber a motivação do doente para que se adapte o tratamento e se explique o tempo médio necessário para este atingir o peso pretendido. A reestruturação cognitiva pretende, numa primeira fase, fazer o doente perceber as metas que pretende alcançar e, como objectivo máximo, uma melhor qualidade de vida física e emocional (Rodríguez, Gómez, Martínez e Pérez, 2003).

Lidar com o stress – O stress é um factor de risco nos obesos pois pode em muitos casos precipitar a quebra e até mesmo a destruição de todo o processo terapêutico e a recuperação do peso. Para que todo o trabalho feito não fique perdido é necessário evitar o stress e, aqui, o exercício físico assume uma posição preponderante. Para atenuar o stress o terapeuta pode ensinar técnicas de respiração e de relaxamento muscular que serão aqui uma variável importante, podendo evitar a perda de controlo do paciente (Rodríguez, Gómez, Martínez e Pérez, 2003).

Utilização de contratos – A utilização de contratos no tratamento de obesos pode ser um grande auxiliar para a obtenção de objectivos e para a não desistência da terapia, pois representa para o doente um compromisso assumido e permite que tenha o seu comportamento reforçado positivamente à medida que se aproxima do peso ideal (Matos, 1990).

Treino da recaída – Muitas vezes os doentes obesos não têm a capacidade de resistir a situações de alto risco (p.ex uma fatia de um bolo num casamento) e acaba por suceder uma recaída, pois antecipam o prazer imediato e ainda não possuem estratégias de coping para evitar o estímulo, acabando por sentirem que fracassaram e que não possuem autocontrolo. Para lidar com este tipo de situações, identificam-se os maiores perigos de recaída para o doente obeso e treinam-se as aptidões necessárias para lidar com elas e com possíveis fracassos, pois, assim, quando passarem por estas ocasiões, não sintam que não são capazes (Rodríguez, Gómez, Martínez e Pérez, 2003).

O treino auto-afirmativo -É um treino que tem por objectivo ensinar o obeso a recusar auto-afirmativamente certo tipo de alimentos oferecidos por outros do meio social (Matos, 1990).

O apoio social – A família e os amigos mais próximos desempenham um papel importantíssimo no tratamento do doente obeso e deverão mesmo ter educação nutricional para perceberem qual o papel a desempenhar ao longo de todo o tratamento (Rodríguez, Gómez, Martínez e Pérez, 2003 .

Educação Nutricional – É importante que o doente conheça as regras alimentares, bem como os benefícios de uma alimentação saudável. Para que, desta forma, tenha capacidade e se sinta motivado para ter uma alimentação saudável (Matos, 1990).
Informação acerca do exercício físico – O paciente deverá conhecer as vantagens do exercício físico, tanto para o seu objectivo da redução do peso bem, como os benefícios que dizem respeito a redução do stress (Rodríguez, Gómez, Martínez e Pérez, 2003).

Compreensão da obesidade em termos psicológicos

(pela sua estrutura esquemática, este tópico irá incidir sobre uma única fonte bibliográfica: Dobrow, Kamenetz e Devlin, 2002)

No esquema abaixo apresentado, é possível observar que as pessoas em relação aos comportamentos alimentares entram em ciclos, ou seja, umas coisas levam a outras até que o ciclo é formado e a pessoa se sente quase como que empurrada a realizar os comportamentos que tenta evitar. Como em qualquer ciclo, o início do mesmo pode ser um dos seus vários pontos, para simplificar começaremos pelo que aparece em primeiro lugar, no esquema.


Existem várias situações e estados emocionais que a pessoa pode sentir em qualquer altura a que chamamos de estímulos activadores, pois iniciam facilmente o ciclo ao provocar desconforto emocional. Na fase seguinte, a pessoa já se sente desconfortável e a necessidade principal é diminuir ou eliminar o desconforto gerado, activam-se, para tal, as crenças associadas a este processo, como por exemplo, a ideia de que comer algo vai deixar a pessoa mais calma.
As crenças, na maior parte das vezes, não são conscientes, ou seja, são ideias em que aprendemos a acreditar ao longo da vida e das nossas experiências, mas que não pensamos nelas. Ocorrem na nossa mente de forma muito rápida e sem que nos apercebamos, excepto no caso de fazermos um esforço por nos apercebermos delas, elas surgem de forma inconsciente.
As crenças activadoras dão origem a pensamentos, esses sim conscientes, mas não propositados, por esta razão são chamados de pensamentos automáticos. Estes geram necessidades que são sentidas de forma muito forte e que desencadeiam um conjunto de crenças chamadas facilitadoras, cuja função é precisamente facilitar o comportamento, i.é, são um conjunto de “desculpas” que a pessoa arranja para legitimar o comportamento.
Rapidamente a pessoa se foca nas estratégias que vai pôr em prática de modo a conseguir satisfazer a necessidade de comer que se gerou. Normalmente é muito difícil de parar nesta fase, a maior parte das pessoas quando está nesta etapa do ciclo não consegue interromper o comportamento, acabando por comer.
Precisamente devido à força das últimas fases descritas e à consciência que se tem das mesmas, a pessoa acaba por sentir que “falhou” mais uma vez nas tentativas de seguir uma dieta alimentar mais equilibrada. Todas as emoções relacionadas com o mal-estar que esta constatação produz, têm como consequência diminuir a auto-estima a vários níveis, a pessoa sente-se menos capaz, começa a acreditar que não tem suficiente força de vontade, sente-se mais “feia” fisicamente, desiludida com ela própria, etc.
A diminuição da auto-estima pode conduzir a sintomas de ansiedade, depressão e a conflitos interpessoais. Como se observou anteriormente, estes aspectos constituem os estímulos activadores do ciclo, ou seja, compreende-se agora de que forma estamos perante um ciclo vicioso e difícil de quebrar.

O Papel do Psicólogo na Obesidade


Neste tópico iremos incidir sobre os aspectos psicológicos inerentes à obesidade, no sentido de analisar o contributo da Psicologia no acompanhamento de doentes obesos.
Em termos psicológicos, a compreensão do problema da obesidade relaciona-se com diversos aspectos, portanto deve ter em conta as suas origens, mecanismos de manutenção, impacto emocional, entre outros. Trata-se, pois, de um problema muito complexo, com aspectos fisiológicos, psicológicos, médicos, sociais e comportamentais, que funcionam conjuntamente, tendo um impacto fortíssimo na vida da pessoa. Psicologicamente, o problema pode ser analisado de diversas formas, ora colocando mais a tónica no pensamento, ora na emoção ou ainda no comportamento. No entanto, nenhum destes aspectos é mais importante, visto que todos eles intervêm com maior ou menor peso no indivíduo e acabam por determinar as características próprias de cada caso. Esta variação surge porque a obesidade é uma doença que pode ocorrer em diferentes idades, existir em graus distintos quanto à gravidade e ter um impacto variável consoante as experiências de vida (Rodríguez, Gómez, Martínez & Pérez, 2003).
No que respeita à intervenção psicológica esta pretende conseguir melhorias a vários níveis, nomeadamente uma redução do peso para cerca de menos de 20%, aumentando os comportamentos positivos, por exemplo uma alimentação mais saudável e exercício físico regular, e diminuindo comportamentos alimentares pouco saudáveis, como as dietas yo-yo ou alimentações com excesso de sal e gorduras. Assim, conseguiríamos reduzir os sentimentos de vergonha, inferioridade e baixa auto-estima relacionada com o peso ou tamanho corporal e resolver conflitos interpessoais, ou de outras naturezas, que possam contribuir para crises de ingestão alimentar compulsiva e outros padrões alimentares pouco saudáveis.

Intervenção psicológica na obesidade mórbida

Estamos perante um caso de obesidade mórbida quando o IMC atinge valores superiores a 40. De um modo geral, o obeso mórbido tem um longo historial de tentativas de redução de peso, algumas das quais sob a orientação de técnicos de saúde, consistindo na sua maior parte numa dieta e/ou no uso de fármacos. Apesar destes regimes terapêuticos proporcionarem uma redução de peso numa fase inicial, estes não são habitualmente satisfatórios, pois que, após a sua finalização a grande maioria dos pacientes obesos recupera em pouco tempo o peso perdido (Franques, 2003), chegando a níveis ainda mais altos que os anteriores (Garner & Wooley, 1991).
Este tipo de insucesso no tratamento desta patologia deve-se, em grande parte, ao seu carácter unimodal, em que se privilegia uma intervenção biológica, bioquímica e prescritiva, característica do modelo biomédico, em detrimento dos aspectos psicossociais do indivíduo no seu processo de doença e de tratamento (Reis, 1998). As variáveis psicológicas, nomeadamente as de personalidade, parecem ter um importante papel nesta patologia (Grana, Coolidge, & Merwin, 1989), pelo que, uma abordagem terapêutica que contemple as dimensões biopsicossociais do indivíduo através de uma equipa multidisciplinar deve ser privilegiada de modo a assegurar o êxito do tratamento
desta patologia e a sua manutenção a longo prazo, contribuindo para a melhoria de saúde, qualidade de vida, bem-estar e satisfação dos indivíduos que dela sofrem. Este tipo de abordagem é recomendada pelas sociedades científicas internacionais (e.g., International Federation for the Surgery of Obesity, IFSO) no tratamento desta patologia associada à proposta de realização de uma cirurgia.
É por isso que, recentemente, a cirurgia bariátrica ganhou relevo como uma importante opção terapêutica para esta doença, e é considerada a forma mais eficaz de a controlar a longo prazo (Delin & Anderson, 1999). Este facto leva a que muitos doentes a encarem como “tábua de salvação”, depositando no cirurgião e na cirurgia todas as esperanças e expectativas. No entanto, esta crença excessiva e irrealista no “milagre cirúrgico” (Rabner & Greenstein, 1991) (i.e., parte biológica do tratamento) poderá colocar em risco o êxito do tratamento, pela consequente desresponsabilização que ela poderá implicar por parte do doente neste processo. A isto acresce a tendência dos pacientes obesos em desejarem ser participantes passivos no seu tratamento (Randolph, 1986).
Contudo, a cirurgia bariátrica requer uma forte adesão do paciente aos seus requisitos pós-cirúrgicos (i.e., modificações alimentares, comportamentais e de estilo de vida) para garantir a eficácia do tratamento. Como referem Valley e Grace (1987) um obeso que consiga uma perda de peso significativa, mas que continue a comer compulsivamente precipitando complicações médicas, não pode ser considerado sucesso terapêutico, ou seja, é um processo incompleto em que as variáveis comportamentais foram negligenciadas.
É sabido que as significações de doença e de tratamento influenciam os processos de adesão dos indivíduos ao tratamento (Turk & Meichenbaum, 1991), ou seja, o modo como eles concebem a sua doença (i.e., identidade, etiologia, evolução, consequências e controlabilidade; Leventhal, Nerenz & Steele, 1984), tratamento, seus efeitos e grau de mudança comportamental exigido, relação com os profissionais de saúde, com o sistema
de saúde e com os recursos sociais (Reis, 1999).
Deste modo, devem ser tidas em consideração algumas variáveis psicológicas e sociais do indivíduo com obesidade mórbida que fazem parte do seu processo de doença e que dão lugar à abordagem psicológica enquanto parte integrante do processo de tratamento destes doentes (Kinzl, Traweger, & Biebl, 2003; Valley & Grace, 1987). Vários autores referem a importância da avaliação psicológica e da adequação cognitiva e comportamental do paciente ao tratamento como factores de prognóstico deste (DiGregorio & Moorehead, 1994; Glinski, Wetzler, & Goodman, 2001; Sannen, Himpens, & Leman, 2001).
Com efeito, a existência de alterações psicopatológicas e/ou de personalidade com significado clínico têm sido descritas como podendo comprometer o tratamento, nomeadamente através da não-adesão. Os estudos sobre as características psicológicas desta população referem como alterações mais frequentes, a nível psicopatológico e de personalidade, a perturbação borderline (Black, Goldstein, & Mason, 1992) e a nível emocional, as de tipo depressivo, sendo as de tipo ansioso as segundas mais prevalentes (Black, Goldstein, & Mason, 1992; Glinski, Wetzler, & Goodman, 2001).
O psicoticismo é praticamente inexistente (Glinski, Wetzler, & Goodman, 2001). A compulsão para comer (binge-eating) é uma das alterações comportamentais mais perturbadoras e pervasivas, sendo o ritual alimentar acompanhado, na maioria destes doentes, por reacções emocionais de irritabilidade, desinibição e raiva (Lang e col., 2000).
Os autores são consensuais no que diz respeito à importância do seu despiste prévio à cirurgia (Valley & Grace, 1987; Charles, 1987). A existência de alterações do foro psicológico, contudo, não é por si só impeditivo da realização do tratamento, mas estas deverão ser tidas em consideração nas opções a tomar face ao mesmo (Glinski, Wetzler, & Goodman, 2001; Benotti & Martin, 2004; Segal, 2003), sendo que, o grau de psicopatologia é sugerido em alguns estudos (e.g., Valley & Grace, 1987) como constituindo o “elemento-chave” para o desenvolvimento quer de complicações médicas quer de psicológicas na fase pós-cirurgia.
Neste sentido, têm sido sugeridos por alguns autores critérios de índole psicológica para a selecção dos candidatos a cirurgia, que a contra-indicam ou que os remetem para tratamento prévio. Como critérios de exclusão têm sido referidas as seguintes condições clínicas: as psicoses, alcoolismo e atraso mental (por impedirem uma tomada de decisão
informada/consentimento informado), e a bulimia nervosa (Terra, 1997).
Porém, constata-se que, de um modo geral, os autores diferem na “rigidez” dos critérios que definem, sendo que alguns contemplam parâmetros que constituem contra-indicação absoluta para a cirurgia, enquanto outros definem níveis de contra-indicação e indicam linhas orientadoras para o adequado tratamento de determinadas perturbações psicológicas prévias à realização de cirurgia (e.g., Charles, 1987).
O papel do psicólogo é, pois, fundamental na evolução do doente, dado que este será estimulado a falar sobre si mesmo, a compreender suas motivações e poder discutir, da forma mais consciente possível, tudo a respeito deste grande passo no tratamento de sua doença, a cirurgia. Descobrir o modo como cada um de nós se relaciona com a comida é muito importante na avaliação pré-cirúrgica, tornando-se necessário focalizar o lugar ocupado pela comida na vida de cada um, pois a maioria dos obesos engorda e come compulsivamente, não porque sente uma fome física e sim, psicológica, ou seja, comem porque se sentem tristes, ansiosos, stressados ou frustrados e usam a comida como um nutriente emocional inadequado, escondendo nela as suas próprias emoções. O terapeuta poderá, nessa altura, detectar a presença de transtornos psicológicos que podem adiar ou mesmo contra-indicar sua cirurgia, como já referimos, embora estas situações sejam raras.
Por outras palavras, o que se pretende de uma primeira fase pré-cirúrgica é a avaliação e caracterização psicológica de cada paciente, com emissão de parecer técnico sobre as condições psicológicas deste para realização de cirurgia, que inclui critérios clínicos de morbilidade psicológica e de motivação, colaboração e responsabilidade do paciente face ao processo de tratamento e mudanças associadas; com base nestes aspectos são definidos graus de prioridade para a realização de cirurgia, tendo em consideração a estabilidade emocional do paciente e sua adesão aos requisitos do tratamento, ou o seu encaminhamento para consulta de especialidade prévio ao mesmo.
Numa segunda fase, a do internamento, o terapeuta deve avaliar as didácticas sobre os requisitos do tratamento nas suas vertentes (i.e., bio-psico-social), com ênfase no papel do doente, e modificação de crenças desadaptativas face à cirurgia e processo de tratamento.
Na terceira fase de follow up, o psicólogo vai tentar obter de um compromisso/contrato esclarecido de participação activa neste tratamento por parte do doente. Este compromisso é um acréscimo ao tradicional Consentimento Informado e pretende contribuir para uma maior consciencialização, participação activa e responsabilidade do paciente no processo de tratamento e suas decisões, mantendo o seu valor simbólico como “documento” (Rasera & Shiraga, 2003).
Apesar de termos dividido a intervenção psicológica em três fases, a mesma não tem tempo determinado, dependendo este de cada caso. Mesmo depois da "alta", o tratamento psicológico pode e deve continuar. Vejamos as razões! Nos primeiros meses que se seguem à cirurgia, o doente irá encarar o desafio de modificar profundamente seus hábitos alimentares, assim como o de reconhecer a cada dia as mudanças de seu corpo. É comum a existência de conflitos de percepção da sua nova imagem, sendo portanto um dos aspectos a trabalhar pelo psicólogo.
Uma outra questão a abordar será a adaptação ao novo estilo de vida que é completamente diferente ao anterior, já que o doente terá de lidar com situações de privação de alimentos que antes eram ingeridos em grande quantidade. É importante frisar aqui, que a cirurgia não modifica a vontade de comer determinados alimentos ou tão pouco de comer nas quantidades a que estes doentes estavam habituados antes da cirurgia. Se estes indivíduos não conseguirem lidar com esta privação, podemos acabar por transferir a compulsão para outros vícios e é aqui que a ajuda psicológica se torna importante. Não é raro acontecerem depressões, abuso de álcool e/ou de outras drogas nos pacientes que foram inadequadamente seleccionados para a realização de cirurgias ou que não receberam atenção psicológica posterior á cirurgia.
Por outro lado, muitos obesos utilizam a sua imagem para se defenderem e até como uma boa desculpa para não ter uma vida social e afectiva: "Não vou ali porque sei que vou encontrar conhecidos que me vão dizer que estou gorda", "Não encontro emprego porque estou gorda", “Não vou á praia porque estou gorda!” etc.
Depois do emagrecimento, estas desculpas já não podem mais existir; temos que aprender a lidar com uma nova realidade e principalmente aceitar que agora somos uma pessoa sem limitações físicas.
Quem opta pela cirurgia deve saber que está a optar por enormes mudanças internas e externas, no qual tem um período de adaptação emocional, física e social, mas acima de tudo está a optar por uma melhor qualidade de vida.