sábado, 1 de dezembro de 2007

Implicações sociais

O que desde muito cedo se verifica ocorrer face aos indivíduos obesos são atitudes negativas, a formação de estereótipos negativos e consequente discriminação. As pessoas obesas ainda são vistas como um dos últimos alvos aceitáveis de denigração nos Estados Unidos (Puhl & Brownell, 2001 in Carr, D. & Friedman, M., 2005), sendo também um dos estigmas sociais mais duradouros (Cahnman, 1968 in Carr, D. & Friedman, M., 2006). De acordo com Goffman (1963), o conceito de estigma refere-se a qualquer atributo pessoal que é “altamente desacreditador” para quem o possui; e esses atributos incluem a “estigmatização grupal”, “ aversão do corpo” e “ falhas no carácter individual”, estando estas duas últimas dimensões associadas à condição de pessoa obesa.
Vários estudos demonstraram que crianças com apenas 6 a 10 anos de idade tinham tendência para atribuir mais características negativas não relacionadas com o peso a outras crianças obesas do que às que possuíam peso normal, nomeadamente “preguiçosas”, “sujas”, “estúpidas”, “feias”, e “batoteiras” (Staffieri, 1967 in Haines, J. & Neumark-Sztainer, D., 2004) e acontecendo o mesmo no caso de avaliações de pessoas adultas (Lerner & Gellert, 1969, in Ogden, J., 2000). Já outros estudos referentes a crianças de idade pré-escolar são controversos, uns indicando já a presença de uma certa rejeição entre pares de crianças com excesso de peso (Forehand, Frame, Smith & Strauss, 1984) enquanto outros não referem ter encontrado qualquer diferença significativa (Lawson, 1980).
Outro facto que é atribuído às pessoas obesas é que elas são responsáveis pela sua condição por possuírem falhas no seu carácter, tal como preguiça, gula, falta de auto-controlo e de auto-disciplina (Allon, 1981, Crandall & Schiffhauer, 1998).
Mas, por outro lado, recentes reconceptualizações referentes à estigmatização realizadas por Link & Phelan (2001, in Carr, D. & Friedman, M., 2005) sugerem que, por si só, as atitudes negativas não são evidência suficiente de que os obesos são um grupo estigmatizado. Para os autores, o componente central do processo de estigmatização é o facto da pessoa rotulada experienciar discriminação e perda de estatuto, o que por sua vez, pode ter consequências prejudiciais para as suas oportunidades na vida, incluindo o bem-estar físico, psicológico, económico e social, já referido anteriormente. O que acontece na maioria dos estudos é que partem do pressuposto de q ue as atitudes negativas conduzem ao comportamento discriminatório, facto este documentado na psicologia social no sentido contrário, i.é., as atitudes das pessoas estão apenas fracamente relacionadas com o comportamento efectivo. Portanto, o processo de estigmatização deve englobar também as acções das instituições sociais e dos indivíduos que excluem e denigrem, assim como as reacções das pessoas que se encontram na categoria social depreciada (ibid).
No entanto, o que parece ter uma grande importância e ser uma variável mediadora na persecução e obtenção de resultados nesta situação são as percepções do próprio indivíduo relativamente ao facto de ter sido ou não tratado de maneira discriminatória. Por exemplo, uma pessoa obesa que acredita que os prestadores de cuidados de saúde os vêem e tratam de modo diferente, poderão evitar procurar ajuda. Carr e Friedman num estudo (2005) verificaram que os indivíduos obesos crêem que são alvo de múltiplas formas de discriminação. Os obesos severos ou super obesos (IMC > 35) têm mais tendência para referirem discriminação major (i.é., referente a tópicos como raça, etnia, género, idade, religião, aparência física e orientação sexual); envolvendo também a discriminação relacionada com o trabalho – ex: não ser promovido, ser despedido – e a discriminação relacionada com os cuidados de saúde (receber piores cuidados médicos) e discriminação interpessoal diária (i.é., experiências interpessoais recentes envolvendo tratamento desagradável e agressão ao carácter) relativamente a pessoas com peso normal. E apenas os obesos severos relataram discriminação relacionada com os cuidados de saúde. Num estudo de Maddox e Liederman (1969) sobre as crenças acerca da obesidade, foi pedido a médicos e estudantes de Medicina que classificassem doentes com excesso de peso de acordo com as suas características pessoais. Tal como aconteceu com as crianças, foram inferidas características pessoais não relacionadas com o peso, como por exemplo estúpidos (97%), fracassados (90%), fracos (90%), preguiçosos (86%), antipáticos (69%), infelizes (65%), feios (54%) e desajeitados (55%).
Outra constatação curiosa surgiu de um estudo realizado a uma população inserida num grupo de aceitação da gordura (E.U.A.), onde os membros desse grupo referiram tentar conciliar o seu peso excessivo com a escolha dos seus empregos, restringindo a escolha a empregos onde o peso não fosse uma característica em causa (ex. vendas por telefone) ou de modo a evitar a hostilidade do público e discriminação laboral (Rothblum, Bran, Miller & Oetjen, 1990 in Haines, J. & Neumark-Sztainer, D., 2004). Este facto sugere que as intervenções, para além de se focarem nos comportamentos de saúde e nos estilos de vida dos doentes obesos, também deveriam incidir nas práticas “daqueles que discriminam” (Link & Phelan, 2001 in Carr, D. & Friedman, M., 2005).
Os obesos severos também demonstraram sofrer consequências interpessoais mais acentuadas quando inseridos num meio sócio-económico mais elevado, meio este onde o facto de se ser magro é mais valorizado. Tal ocorrência vem reforçar que o estigma é inerentemente um processo social, variando de acordo com o contexto social.
A adolescência, enquanto período de formação da identidade e de grande interacção social, nomeadamente com o grupo de pares, incluindo os do sexo oposto, torna-se um período especialmente sensível quando se aborda o tema da obesidade. Outro aspecto a justificar a importância desta etapa do ciclo vital é o facto da obesidade na adolescência aumentar dramaticamente o risco de obesidade no estado adulto (Whitaker, Wright, Pepe, Seidel & Dietz, 1997 in Presnell, K., Shaw, H. & Stice, E., 2005).
Vários estudos revelaram que os adolescentes com excesso de peso, especialmente as raparigas, eram percebidos como parceiros menos desejáveis para o estabelecimento de relações amorosas. As adolescentes obesas relatam serem tratadas de um modo diferenciado devido ao seu peso, dizendo experienciarem estigmatização. Tal pode assumir a forma de comportamentos abertos, tal como o fazer troça, chamar nomes e serem alvo de comentários de escárnio e comportamentos desagradáveis por parte dos seus pares e também membros da família, embora estes últimos lhes pareçam menos intencionais. Mas, para além destes comportamentos abertos, são ainda usados meios de vitimização encobertos, especialmente dentro do grupo de raparigas adolescentes, as quais fazem uso do seu estatuto de amizade como maneira de vitimizar o seu par, ex. através da sua exclusão das actividades sociais (Crick, 1997; Galen & Underwood, 1997 in Haines, J. & Neumark-Sztainer, D., 2004). Foi encontrada assim uma diferença na vitimização relacional entre rapazes e raparigas adolescentes, reportando os rapazes uma maior estigmatização aberta, ao contrário das raparigas. Os adolescentes com excesso de peso têm tendência a isolarem-se mais socialmente e a ter menos amigos (Strauss & Pollack, 2003).
Outro ponto analisado, ainda dentro da dimensão social, diz respeito à relação entre o peso e a qualidade percebida das relações interpessoais, i.é., será que existem diferenças significativas entre as interacções positivas e negativas com os membros da família, amigos, marido ou esposa e colegas de trabalho entre os indivíduos obesos ou de peso normal? (Carr, D. & Friedman, M., 2006). Esta questão é bastante pertinente e de grande importância para compreender o modo como as pessoas lidam com o facto de serem obesas, o nível de stress associado, a procura e adesão ao tratamento e a motivação para a mudança. Relações que forneçam apoio à pessoa podem ajudá-la a lidar com o seu peso e proteger contra o stress derivado da discriminação e dos problemas de saúde associados ao seu peso excessivo. Por outro lado, a tensão existente nas relações pode contribuir para o estabelecimento e manutenção da obesidade, ou mesmo contribuir para a exacerbação de problemas de saúde associados ao seu peso (Okun & Keith, 1998, in Carr, D. & Friedman, M., 2006).
Várias explicações podem ser encontradas para o estabelecimento de interrelações negativas por parte dos indivíduos obesos. Visto existirem atitudes negativas face aos obesos na sociedade, pode-se esperar que os mesmos experienciem um menor apoio nas suas relações com os outros significativos. E por estarem acostumados ao criticismo e discriminação, podem antecipar e retribuir esse tratamento negativo, o que por sua vez, pode impedir a formação de novos relacionamentos (Link et al., 1989) ou exercer uma tensão nas relações já existentes (Snyder, Tanke & Berscheid, 1977). Outro aspecto deve-se à rejeição interpessoal, percebida ou real, que pode reduzir as suas oportunidades para desenvolver competências sociais fortes (Goldman & Lewis, 1977).
No entanto, contrariando estas perspectivas, várias investigações revelaram que as pessoas com excesso de peso experienciam relações pessoais próximas tão positivas como as pessoas possuindo um peso considerado normal. Para Goffman, as pessoas estigmatizadas podem escolher propositadamente interagir com “outros compadecidos” (“sympathetic others”), ou seja, aqueles indivíduos que compartilham o sentimento de que eles são humanos e normais apesar das aparências e apesar das suas próprias dúvidas. E estes “outros compadecidos” seriam aqueles que também possuiriam o estigma (ex. que compartilhavam o atributo negativo como a obesidade, que poderiam oferecer um ao outro aceitação, apoio emocional e moral e empatia) ou seriam as “pessoas sensatas” (“wise persons”) que teriam conhecimento da vida secreta dos indivíduos estigmatizados, que tinham compaixão por eles e não tinham internalizado os estereótipos negativos sobre a desiderabilidade e carácter dos indivíduos obesos. Neste último caso, a pessoa seria um parente do obeso, estaria casado com ele ou tería outro tipo de laço social.
Mas para tentar alcançar a complexidade inerente ao estabelecimento das interrelações, Carr e Friedman (2006) acrescentaram dois aspectos como a voluntariedade (i.é., se uma pessoa escolhe entrar na relação) e a permanência (i.é., se uma pessoa está incapaz de terminar o relacionamento). Assim, os laços familiares, principalmente o de pais, irmãos e filhos, são involuntários e baseados num forte sentido de obrigação, correspondendo então à dimensão de permanência. Por outro lado, as amizades, casamento e as relações com os colegas de trabalho (embora estes num grau inferior) são estabelecidas voluntariamente.
Deste modo, espera-se que o peso corporal esteja associado com a qualidade das relações apenas no caso de elas serem iniciadas e mantidas involuntariamente, pois para além das pessoas terem tendência para se relacionar com pessoas semelhantes, nas relações voluntárias, caso exista tensão ou dificuldades, estas poderão ser quebradas, ao contrário do que acontece com as relações referidas como permanentes.
Outro aspecto que pode determinar o rumo das interrelações quando se pertence a um grupo estigmatizado tem a ver com o facto de possuir o atributo durante toda a vida (“inborn stigma”) ou se este é adquirido mais tarde na vida. De acordo com a teoria designada Modified Labeling Theory as pessoas que cedo adquirem a identidade estigmatizante estão particularmente susceptíveis às consequências interpessoais e sociais prejudiciais dessa identidade. Assim, as pessoas são socializadas para internalizar um conjunto de crenças sobre os membros de um grupo estigmatizado, o que faz com que se sintam ameaçadas nas interacções com os outros. Uma das consequências adventícias pode ser o isolamento social ou, em alguns casos, a limitação da sua interacção às “pessoas sensatas”. Por outro lado, os sujeitos que tiveram um peso normal até à idade de jovens adultos, ou mais tarde, tornando-se posteriormente em obesos, podem não se “reidentificar” prontamente como pertencendo a um grupo estigmatizado.
Por conseguinte e em jeito de conclusão, as interrelações com outros significativos devem depender da trajectória de peso de uma pessoa, em vez do seu peso actual.
Estabelecendo a ponte com os factores psicológicos que serão abordados de seguida, o tratamento negativo a que por vezes as pessoas com excesso de peso são sujeitas pode afectar a sua auto-estima e o humor, o que, por sua vez, estão associados a relações interpessoais pobres (Crocker& Major, 1989 in Carr, D. & Friedman, M., 2006).

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